a música mais triste

Clique para ouvir.

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Uma Canção Desnaturada
Chico Buarque

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Por que cresceste, curuminha
Assim depressa, e estabanada
Saí­ste maquiada
Dentro do meu vestido
Se fosse permitido
Eu revertia o tempo
Para viver a tempo
De poder

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Te ver as pernas bambas, curuminha
Batendo com a moleira
Te emporcalhando inteira
E eu te negar meu colo
Recuperar as noites, curuminha
Que atravessei em claro
Ignorar teu choro
E só cuidar de mim

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Deixar-te arder em febre, curuminha
Cinquenta graus, tossir, bater o queixo
Vestir-te com desleixo
Tratar uma ama-seca
Quebrar tua boneca, curuminha
Raspar os teus cabelos
E ir te exibindo pelos
Botequins

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Tornar azeite o leite
Do peito que mirraste
No chão que engatinhaste, salpicar
Mil cacos de vidro
Pelo cordão perdido
Te recolher pra sempre
í€ escuridão do ventre, curuminha
De onde não deverias
Nunca ter saí­do

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Ou você pode ler esse texto, que é bem parecido também.

O Orkut

Clique para ampliar.

Eu percebo um pouco que existe hoje uma tendência a inferiorizar/menosprezar o Orkut. Orkut é vitrine, é coisa de pobre, de migux@as, enfim, por aí­. Eu adoro ter uma vitrine como a do Orkut. Sou cheia das comunidades-bottom (tipo aqueles bottons que a gente usava nas mochilas no final dos anos 80, começo dos 90), acho divertido e não tenho medo de supostamente aparecer. Até porque, quem vai realmente ter interesse na minha vidinha pacata e medí­ocre né? E eu falo isso muito tranquilamente, nesse caso a mediocrdade é muito bem vinda.

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Bom, essa lenga lenga é pra dizer uma coisa: Eu aprendi muito com o Orkut. Sério mesmo. O Orkut tem uma utilidade muito grande pra mim. Não diretamente. Mas como fonte, foi e é uma maravilha dos sete mares.

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Senão vejamos: Por exemplo, eu só entrei em contato com a astrologia antiga e medieval, suas fontes, seus autores, sua beleza e seriedade, pelo orkut. Tem comunidades de Astrologia Tradicional que são verdadeiras pérolas, cheias de gente estudiosa, de gente séria, que ama astrologia, se dedica em profundidade mesmo. E que estão ali compartilhando conhecimento, (até o limite do próprio orkut, claro).

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Essa comunidade é a melhor coisa que eu tinha visto no Orkut. Eu aprendi mais ali do que em quase 20 anos de estudo de astrologia. É moderada e muito bem assessorada pelo mestre Guy, o cara que mais sabe de Astrologia no Brasil. Claro que fui atrás das dicas de lá, comprei livros, troquei idéias, estudei. Mas obtive dicas ali que não estariam em outro lugar. Claro que tem comunidade idiota de astrologia. Idiotas e idiotice, né, onipresente. Mesma coisa com as comunidades de tarô, que tem porcarias, mas tem comunidades muito boas.

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Agora nessa gravidez, descobri outras comunidades maravilhosas! Soluções para noites sem choro e Grupo Virtual de Amamentação. Essa comunidade GVA é um achado, é uma verdadeira mina de ajuda a recém mamães! Tem dicas serí­ssimas, preciosas mesmo, com seriedade, embasamento e muito, muito boa vontade das voluntárias. Vale í  pena para quem se interessa em vasculhar mesmo a comunidade, porque tem dicas e dicas e mais dicas. E mostra o quanto existe de besteira/mitos/desinformação nesse mundo da amamentação. Como até mesmo os médicos podem estar desinformados no assunto, de acordo com estudos recentes, informações e diretrizes da OMS, por exemplo. Tem comunidades de parto mantidas por médicos serios, estudiosos e repletas de informação.

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Eu também adoro séries/seriados e sempre que quero saber alguma coisa sobre alguma série, corro no orkut e invariavelmente a informação está lá. De tudo, de trilhas sonora, da música linda que tocou no episódio X até qualquer outra coisa que eu querira saber, além de links quentes pra baixar, pra assistir e tudo mais.

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Eu “revi” pessoas da minha infância, da minha adolescência, que de outro modo não veria mais, ou que seria muito mais complicado de rever. E falo com elas via orkut de vez em quando.

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Meus pais tem, 70 e 65 anos. E foi o orkut que abriu pra eles a porta da internet. Minha mãe tem mesmo toda uma rede que ela fez no orkut e eu acho isso muito legal. Ela já sabe fazer um monte de coisas que não aprenderia de outro jeito. Sabe editar minimamente uma imagem, colocar aqueles horrí­veis gifs coloridos brilhosinhos e animados, argh. Mas até isso eu acho legal, se ela gosta e se diverte, tá valendo demais. Assim como uma das irmãs dela também tem Orkut e também entrou pro mundo da internet através do Orkut. Meu pai vê fotos e tem notí­cias de sobrinhas, parentes que ele de outro modo não veria.

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Eu poderia prolongar muito esse post com exemplos, mas tá bom, acho que dá pra ter uma idéia, ainda que vaga.

Eu sei que no Orkut tem muita, muita bobagem, muita idiotice e tal. Mas tem coisas muito legais também. E vou te contar, se nessa altura da minha vidinha eu não soubesse filtrar informação, aff Maria Mãe de Zeus né, não sei o que poderia estar fazendo da vida.

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É como diz o senhor meu marido: Quem fala mal do orkut é porque não sabe/não quer aprender a usar.

até mais ver…

Mitch Albom

Imagem do No Candy. O blog de imagens mais bonito que eu conheço. Clique para ampliar.

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Eu acho que realmente não tenho mais nada a dizer. Na verdade acho que nunca tive, sei lá. Mas aqui servia, ainda pra qualquer coisa que eu não sei mais o quê! Mas por Zeus, tem algum tempo já que eu não tenho mais o que dizer. Muita coisa na vida virtual azedou nos últimos tempos e agora eu não tenho muita vontade de continuar. Acho que queria sair por aí­ apagando rastros, riscos, traços, mas que bobagem, porque uma vez na rede, se vira isca para todo o sempre, amém né?

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Pode ser temporário, pode ser por causa da gravidez, eu não sei.

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Pode ser por causa de gente azeda também, gente que na verdade quer sugar suas coisas, sua alma e sair distribuindo por aí­ como se fosse dele, mas de novo por Zeus, as palavras acabam tendo vida própria, não é?

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Bom, por enquanto fica aqui, pra que eu me lembre de tudo, de um tempo bom e pra que a janela fique aberta se eu quiser voltar, o que pode acabar acontecendo. Mas o que era doce azedou e o que eu achava encanto acabou virando um imenso quebranto. Então é isso, porquê realmente não me ocorre nada mais pra dizer.

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E não que eu não tenha uma gratidão cor de rosa por tudo de bom, por todas as pessoas mais do que maravilhosas que eu conheci aqui, que hoje são minhas amigas super queridas. Mas essas não dependem mais do blog pra continuar, essas ainda são doces e frescas e me fazem sorrir. E talvez um dia pensando no bem que me fizeram eu até anime a escrever minhas bobagenzinhas de novo.

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Update: Ah, eu tenho andado mais no twitter, até enjoar, tb. http://twitter.com/nalua

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E o meadiciona tb tem umas coisas. http://www.meadiciona.com/nalua

que livro sou eu

Era pra esse post ter sáido ontem dia de são jorge e dia do livro, mas vida de grávida não é moleza, então, como é só brincadeirinha mesmo, lá vai:

Vi no Twitter, pela Losille. Se quiser fazer o teste, clique aqui. Eu adorei o resultado, adoro os dois livros.

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Que livro é você?

Se você fosse um livro nacional, qual livro seria? Um best-seller ultrapopular ou um relato intimista? Faça o teste e descubra.

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Machado de Assis

“Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis

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Ok, você não é exatamente uma pessoa fácil e otimista, mas muita gente te adora. É possí­vel, aliás, que você marque a história de sua famí­lia, de seu bairro… Quem sabe até de sua cidade? Afinal, você consegue ser inteligente e perspicaz, mas nem por isso virar as costas para a popularidade – um talento raro. Claro que esse cinismo ácido que você teima em destilar afasta alguns, e os mais jovens nem sempre conseguem entendê-lo. Mas nada que seu carisma natural e dinamismo não compensem.
“Memórias póstumas de Brás Cubas” (1881) é considerado o divisor de águas entre os movimentos Romântico e Realista. Uma das expressões da genialidade de Machado de Assis (e de sua refinada ironia), há décadas tem sido leitura obrigatória na maior parte das escolas e costuma agradar aos alunos adolescentes. Já inspirou filme e peças de teatro. É, portanto, um caso de clássico capaz de conquistar leitores variados. Proezas de Machado.

Carlos Drummond de Andrade

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“Antologia poética”, de Carlos Drummond de Andrade

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“O primeiro amor passou / O segundo amor passou / O terceiro amor passou / Mas o coração continua”. Estes versos tocam você, pois você também observa a vida poeticamente. E não são só os sentimentos que te inspiram. Pequenas experiências do cotidiano – aquela moça que passa correndo com o buquê de flores, o vizinho que cantarola ao buscar o jornal na porta – emocionam você. Seu olhar é doce, mas também perspicaz.
“Antologia poética” (1962), de Drummond, um dos nossos grandes poetas, também reúne essas qualidades. Seus poemas são singelos e sagazes ao mesmo tempo, provando que não é preciso ser duro para entender as sutilezas do cotidiano.

implacável

“O melhor espelho é um velho amigo.

George Herbet

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Eu me afastei da minha melhor amiga, minha madrinha de casamento, aquela amiga com a qual vc passa horas ao telefone conversando sobre tudo e nada, (aquela que teoricamente nunca vai sair da sua vida, pois já está nela diariamente há tantos anos que você não se lembra da vida antes dela), por um motivo muito triste. Muito triste: a implacabilidade

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Como começou, eu não sei, ou sei, mas não vem ao caso. Mas começou devagar, começou com a negação do direito de sofrer, de reclamar. Ela me negou o direito de reclamar da vida, da unha encravada, do cabelo rebelde, pois afinal, eu estava empregada, saudável e minha vida financeira resolvida, não tinha o direito de reclamar de nada que não fosse um câncer ou uma morte e olhe lá (olhe lá mesmo, porque quando alguém querido tentou se suicidar meu sofrimento também não era bastante).

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E quem me conhece sabe que eu não sou uma pessoa mais reclamona que o normal, que a média. E que eu também não sou implacável, pelo menos não era assim.

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E diante disso, minha defesa foi me tornar implacável também. Com ela. Eu também não permiti mais a ela que sofresse por nada menor que uma grande tragédia. E assim nos arrastamos por mais um tempo, mas uma amizade não pode ser implacável, não esse tipo de amizade, não a melhor amiga, especialmente se a amizade não tinha esse mote e passou a ter depois. Aconteceu aos poucos, imperceptivelmente, mas anos de implacabilidade não são em vão.

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E claro, a amizade não se sustentou, eu não podia mais viver o fingimento de estar ótima, linda e saltitante todos os dias, nem ela. E acabou.

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Eu acho que esse é um motivo muito triste pra terminar uma amizade de mais de 10 anos. Ainda mais nesse mundo tão cheio de gente estranha, gente esquisita, falsa, mentirosa, complicada egoí­sta _________. E numa idade em que já não se faz mais amizades tão facilmente, porque é dificil se entregar como mais jovem.

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Eu fico me perguntando: Por que nos tornamos tão implacáveis assim uma com a outra? Puxa vida, como eu gostaria de estar dividindo com ela esse meu momento, e o momento dela também, que é igualmente grande e igualmente bonito. Mas a implacabilidade é isso, nada menos. É o que causa, é esse muro alto e cinza.

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Eu ainda tenho saudade dela, ainda queria apagar isso tudo, queria pular este pedaço, voltar a um dia antes da implacabilidade, pois existiu esse dia. Tem dois anos, já, mas ainda dói. E ainda não tem remédio. Mas é a vida, não? Vida que segue.

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a criança nova que habita

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo o que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção de meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Fernando Pessoa

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Eu estou grávida de 8 semanas. E não estou enjoando, nem sei o que é isso, ainda. Mas, o fato é que eu venho ouvindo muito que emagreci, que estou bem e tal. Hoje fui í  dois eventos com dois grupos de amigos diferentes e ouvi 4 vezes que eu “afinei”, que estou super bem, que estou bonita…

Engraçado que eu amo estar grávida, amo demais, me acho, me sinto e coisa e tal, mas uma coisa que eu sei é que não sou uma grávida do tipo bonita, eu fico mais feia que o normal. Isso não é pra ganhar confetes, é uma constatação mesmo, porque apesar de me achar na outra gravidez, eu sei que não estava bonita. E nem nessa, mas realmente eu emagreci e nem tem nada a ver com a gravidez em si (será mesmo?) porque não estou enjoando. Ah, e nem por isso, por me achar mais feia eu curto menos.

Acho que alguma coisa se curou (ou caminha para a cura), antes da gravidez, e está refletindo agora. De todo modo é ótimo ouvir isso, seja como for. Tem também o fato de que eu estou mais vaidosa do que nunca, e isso é muito engraçado, eu nunca fui assim durante tanto tempo seguido. Eu tenho surtos de me arrumar, emperequetar, como diz minha mãe, mas passa rápido. Agora não, tem tempo já. E tô adorando. Muito engraçado.

Vejo que essa cura teve muito a ver com a personal witch, não sei no que ela mexeu, com seus shiatsus, reikis, agulhas, florais e sotaque chileno. Sei que já fiz muitos tratamentos alternativos, já fiz tudo isso outras vezes, mas nunca tive o resultado de agora.(Isa, nunca vou te agradecer o suficiente.)

E pra falar a verdade eu pratiquei muito o Brahma Mudra, acho que ajudou muito também. É um mudra fácil demais de fazer e eu fazia sempre que me lembrava, por alguns minutos, 2, 3.

O fato é que tem muitos anos que eu não me sinto tão bem. Espero que este estado dure a gravidez toda, no parto e que depois eu possa reencontrar a pessoa que ficou perdida em algum canto que era eu.

Eu sei que esse post ficou bem vaidosão e meio sem noção, mas ah, nem ligo, acho bom, isso aqui é pra isso mesmo.

uma parte de mim não sou eu

“Depois que um corpo comporta outro corpo, nenhum coração suporta o pouco.”

Alice Ruiz

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Então que este blog andou bem í s moscas. Eu não sabia o que dizer, adiei a vinda. É porque ele vai entrar em recesso, por um longo tempo…Porque eu estou grávida e agora não é hora de pensar em dieta. Nem em emagrecimento.

Coisa boa estar grávida assim, com uma reeducação alimentar engrenada. Isso só vai me fazer bem e ao baby que vem por aí­…

Mas a verdade é que não é hora de me ocupar com estes assuntos, minha cabeça e meu coração estão cheios de outras coisas. O bom de aprender a se alimentar direito é poder levar isto consigo pra vida toda. Eu na verdade neste primeiro perí­odo até emagreci, não de enjoar que ainda não enjoei, mas de estar o tempo todo com uma sensação de plenitude.

E agora, é cuidar da alimentação, de mim, enfim, eu estou mergulhada nesta gravidez, e muito, muito feliz.

A jornada é longa, então o blog entra em recesso por um tempo, ou até que eu tenha algo de relevante a dizer sobre o assunto de que aqui eu trato, ou um dia desses aí­.

Gravidez me “empodera”, e eu espero retirar forças pra acabar de vez com os resquí­cios que me faziam me maltratar. Eu sei que não é milagre, que a luta continua, companheir@as, mas posso almejar melhorar com este evento na minha vida. Que sim, é um senhor evento. Pra mim não tem nada de banal. E eu sei que daqui a pouco com esse filho, vai nascer uma nova pessoa, a história interior da gravidez pra mim sempre traz a oportunidade de uma reinvenção. É isso. Até a volta.

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Ainda coloco aqui um selinho fofo que ganhei de uma hermana querida de blog lá da Argentina. Mariana, desculpe a demora.

Figura: Ancestral Path tarot

Instante

semente.jpgUma semente engravidava a tarde.
Era o dia nascendo, em vez da noite.
Perdia amor seu hálito covarde,
e a vida, corcel rubro, dava coice,

mas tão delicioso, que a ferida
no peito transtornado, aceso em festa,
acordava, gravura enlouquecida,
sobre o tempo sem caule, uma promessa.

A manhã sempre-sempre, e dociastuto
seus caçadores a correr, e as presas
num feliz entregar-se, entre soluços.

E que mais, vida eterna me planejas?
O que se desatou num só momento
não cabe no infinito, e é fuga e vento.

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Carlos Drummond de Andrade, A Vida Passada a Limpo, 1959

Clique para ampliar. Figura daqui: http://niilismo.net/galeria/index_10.php

camiseta

graciasaellasp.jpgPor causa do famigerado 8 de março, lembrei dessa camiseta linda que comprei na argentina. Minha orientadora me indicou uma livraria lá em Buenos Aires especializada no feminino e eu vi essa camiseta, linda, amei e trouxe. Pena que era a última. Mas estava pra chegar mais. Da próxima trago uma pra Cynthia e pra Lollo. Porque, graças a ellas mesmo e a muchas más…

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Essa livraria é uma delí­cia, eu fiquei perdidinha lá. Pequena, não é aparente na rua, você tem que tocar uma campainha pra entrar. Fica na sede de uma ong. Recomendo muito. É a Libreria de Mujeres. Aliás, em Buenos Aires também se acha muito material sobre gênero, muito, mas muito mais que aqui em Belo Horizonte, com certeza.

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Eu to doida pra entrar na prática prática da minha tese, que é obre a legislação sobre o corpo feminino, pra ver como são as coisas na Argentina no que diz respeito ao feminino, direito das mulheres e tal…

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dispenso esta rosa!

Post reproduzido da Marjorie Rodrigues, porque eu concordo com TUDO o que está aqui.

Dia 8 de março seria um dia como qualquer outro, não fosse pela rosa e os parabéns. Toda mulher sabe como é. Ao chegar ao trabalho e dar bom dia aos colegas, algum deles vai soltar: “parabéns”.

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Por alguns segundos, a gente tenta entender por que raios estamos recebendo parabéns se não é nosso aniversário (exceção, claro, í  minoria que, de fato, faz aniversário neste dia). Depois de ficar com cara de bestas, num estalo a gente se lembra da data, dá um sorriso amarelo e responde “obrigada”, pensando: “mas por que eu deveria receber parabéns por ser mulher?”.

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Mais tarde, chega um funcionário distribuindo rosas. Novamente, sorriso amarelo e obrigada. É assim todos os anos. Quando não é no trabalho, é em alguma loja. Quando não é numa loja, é no supermercado. Todos os anos, todo 8 de março: é sempre a maldita rosa.

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Dizem que a rosa simboliza a “feminilidade”, a delicadeza. É a mesma metáfora que usam para coibir nossa sexualidade – da supervalorização da virgindidade é que saiu o verbo “deflorar” (como se o homem, ao romper o hí­men de uma mulher, arrancasse a flor do solo, tomando-a para si e condenando-a – afinal, depois de arrancada da terra, a flor está fadada í  morte). É da metáfora da flor, portanto, que vem a idéia de que mulheres sexualmente ativas são “putas”, inferiores, menos respeitáveis.

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A delicadeza da flor também é sua fraqueza. Qualquer movimento mais brusco lhe arranca as pétalas. Dizem o mesmo de nós: que somos o “sexo frágil” e que, por isso, devemos ser protegidas. Mas protegidas do quê? De quem? A julgar pelo número de estupros, precisamos de proteção contra os homens. Ah, mas os homens que estupram são psicopatas, dizem. São loucos. Não é com estes homens que nós namoramos e casamos, não é a eles que confiamos a tarefa de nos proteger. Mas, bem, segundo pesquisa Ibope/Instituto Patricia Galvão, 51% dos brasileiros dizem conhecer alguma mulher que é agredida por seu parceiro. No resto do mundo, em 40 a 70 por cento dos assassinatos de mulheres, o autor é o próprio marido ou companheiro.Este tipo de crime também aparece com frequência na mí­dia. No entanto, são tratados como crimes “passionais” – o que dá a errônea impressão de que homens e mulheres os cometem com a mesma frequência, já que a paixão é algo que acomete ambos os sexos. Tratam os homens autores destes crimes como “românticos” exagerados, prí­ncipes encantados que foram longe demais. No entanto, são as mulheres as neuróticas nos filmes e novelas. São elas que “amam demais”, não os homens.

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Mas a rosa também tem espinhos, o que a torna ainda mais simbólica dos mitos que o patriarcado atribuiu í s mulheres. Somos ardilosas, traiçoeiras, manipuladoras, castradoras. Nós é que fomos nos meter com a serpente e tiramos o pobre Adão do paraí­so (como se Eva lhe tivesse enfiado a maçã goela abaixo, como se ele não a tivesse comido de livre e espontânea vontade). Várias culturas têm a lenda da vagina dentata. Em Hollywood, as mulheres usam a “sedução” para prejudicar os homens e conseguir o que querem. Nos intervalos do canal Sony, os machos são de “respeito” e as mulheres têm “mentes perigosas”. A mensagem subliminar é: “cuidado, meninos, as mulheres são o capeta disfarçado”. E, foi com medo do capeta que a sociedade, ao longo dos séculos, prendeu as mulheres dentro de casa. Como se isso não fosse suficiente, limitaram seus movimentos com espartilhos, sapatos minúsculos (na China), saltos altos. Impediram-na que estudasse, que trabalhasse, que tivesse vida própria. Ela era uma propriedade do pai, depois do marido. Tinha sempre de estar sob a tutela de alguém, senão sua “mente perigosa” causaria coisas terrí­veis.

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Mas dizem que a rosa serve para mostrar que, hoje, nos valorizam. Hoje, sim. Vivemos num mundo “pós-feminista” afinal. Todas essas discriminações acabaram! As mulheres votam e trabalham! Não há mais nada para conquistar! Será mesmo? Nos últimos anos, as diferenças salariais entre homens e mulheres (que seguem as mesmas profissões) têm crescido no Brasil, em vez de diminuir. Nos centros urbanos, onde a estrutura ocupacional é mais complexa, a disparidade tende a ser pior. Considerando que recebo menos para desempenhar o mesmo serviço, não parece irônico que o meu colega de trabalho me dê os parabéns por ser mulher?

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Dizem que a rosa é um sinal de reconhecimento das nossas capacidades. Mas, no ranking de igualdade polí­tica do Fórum Econômico Mundial de 2008, o Brasil está em 10oº lugar entre 130 paí­ses. As mulheres têm 11% dos cargos ministeriais e 9% dos assentos no Congresso – onde, das 513 cadeiras, apenas 46 são ocupadas por elas. Do total de prefeitos eleitos no ano passado, apenas 9,08% são mulheres. E nós somos 52% da população.

A rosa também simboliza beleza. Ah, o sexo belo. Mas é só passar em frente a uma banca de revistas para descobrir que é exatamente o contrário. Você nunca está bonita o suficiente, bobinha. Não pode ser feliz enquanto não emagrecer. Não pode envelhecer. Não pode ter celulite (embora até bebês tenham furinhos na bunda). Você só terá valor quando for igual a uma modelo de 18 anos (as modelos têm 17 ou 18 anos até quando a propaganda é de creme rejuvenescedor…). Mas mesmo ela não é perfeita: tem de ser photoshopada. Sua pele é alterada a ponto de parecer de plástico: ela não tem espinhas nem estrias nem olheiras nem cicatrizes nem hematomas, nenhuma dessas coisas que a gente tem quando vive. Ela sorri, mas não tem linhas ao lado da boca. Faz cara de brava, mas sua testa não se franze. É magérrima (í s vezes, anoréxica), mas não tem nenhum osso saltando. É a beleza impossí­vel, mas você deve persegui-la mesmo assim, se quiser ser “feminina”. Porque, sim, feminilidade é isso: é “se cuidar”. Você não pode relaxar. Não pode se abandonar (em inglês, a expressão usada é exatamente esta: “let yourself go”). Usar uma porrada de cosméticos e fazer plásticas é a maneira (a única maneira, segundo os publicitários) de mostrar a si mesma e aos outros que você se ama. “Você se ama? Então corrija-se”. Por mais contraditória que pareça, é esta a mensagem.

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Todo dia 8 de março, nos dão uma rosa como sinal de respeito. No entanto, a misoginia está em toda parte. Os anúncios e ensaios de moda glamurizam a violência contra a mulher. Nas propagandas de cerveja e programas humorí­sticos, as mulheres são bundas ambulantes, meros objetos sexuais. A pornografia mainstream (feita pela Hollywood pornô, uma indústira multibilionária) tem cada vez mais cenas de violência, estupro e simulação de atos sexuais feitos contra a vontade da mulher. Nos videogames, ganha pontos quem atropelar prostitutas.

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Todo dia 8 de março, volto para casa e vejo um monte de mulheres com rosas vermelhas na mão, no metrô. É um sinal de cavalheirismo, dizem. Mas, no mesmo metrô, muitas mulheres são encoxadas todos os dias. Tanto que o Rio criou um vagão exclusivo para as mulheres, para que elas fujam de quem as assedia. Pois é, eles não punem os responsáveis. Acham difí­cil. Preferem isolar as ví­timas. Enquanto não combatermos a idéia de que as mulheres que andam sozinhas por aí­ são “convidativas”, propriedade pública, isso nunca vai deixar de existir. Enquanto acharem que cantar uma mulher na rua é elogio , isso nunca vai deixar de existir. Atualmente, a propaganda da NET mostra um pinguim (?) dizendo “ê lá em casa” para uma enfermeira. Em outro comercial, o russo garoto-propaganda puxa três mulheres para perto de si, para que os telespectadores entendam que o “combo” da NET engloba três serviços. Aparentemente, temos de rir disso. Aparentemente, isso ajuda a vender TV por assinatura. Muito provavelmente, os publicitários criadores desta peça não sabem o que é andar pela rua sem ser interrompida por um completo desconhecido ameaçando “chupá-la todinha”.

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Então, dá licença, mas eu dispenso esta rosa. Não preciso dela. Não a aceito. Não me sinto elogiada com ela. Não quero rosas. Eu quero igualdade de salários, mais representação polí­tica, mais respeito, menos violência e menos amarras. Eu quero, de fato, ser igual na sociedade. Eu quero, de fato, caminhar em direção a um mundo em que o feminismo não seja mais necessário.

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Não se surpreenda se também encontrar este texto em outros blogs e perfis do orkut ou se recebê-lo por e-mail ou impresso. Isto faz parte de uma campanha conjunta, organizada por Marjorie Rodrigues e por esta comunidade.

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Se quiser, pode reproduzir o texto e a imagem em seu blog ou perfil! No entanto, não se esqueça de dar os créditos pela autoria. Também seria muito legal se você linkasse as meninas.