Ele é um velhinho polêmico, radical e que faz 99% dos jovens parecerem nada menos que caretas. (Eu já tinha postado esse texto no meu blog velho, mas não achei, o tempo engoliu…. 🙂
O texto abaixo é assim também, radical, polêmico, quase uma utopia, mas eu adoro o que ele fala, adoro e tento por em prática tudo que posso. Não posso muito, é verdade, mas sigo tentando 🙂
É um texto grande também, mas vale a leitura.
[..] o que a criança mais deseja e precisa é aprender.
Mas há uma enorme pedra no meio do caminho: quase toda a comunicação das crianças pequenas com adultos se faz por meio da linguagem
não-verbal,
bastante incompreensível para a maioria das pessoas.
É bom começar lembrando ser esta linguagem natural; é a usada pelos animais. Eles percebem e reagem, certamente sem falar, e é clara sua competência em alguma forma de comunicação.
Quem tem cão sabe muito bem o quanto eles se fazem entender. Crianças, até muitos meses de idade, se exprimem através de movimentos e sons variados quase sempre fáceis de entender quando se percebe bem a situação. Mas as pessoas, viciadas nas palavras e pouco treinadas na observação, acham difícil entender os sinais emitidos pelos pequenos. A maior parte dos adultos sente grande alívio quando a criança começa a dizer o que sente, quer ou precisa.
Para dificultar mais ainda as coisas, é preciso considerar o quanto as pessoas têm pouca consciência das próprias expressões, da música da própria voz e da forma de seus gestos. No mundo da linguagem não-verbal, a maior parte das pessoas se comporta como um surdo-mudo, e é assim que ocorre a maior parte do diálogo entre adultos e crianças, com graves desentendimentos entre ambos.
Mas é preciso saber mais sobre esta linguagem – podemos chamá-la de concreta; é um aprendizado direto pela experiência, sem nível algum de abstração, pura prática, no sentido adulto da palavra. Outrossim, é sobre esta experiência que ocorrerá o desenvolvimento da inteligência; esta é uma declaração hoje banal em educação, resumo mais do que sintético de quanto nos ensinou Piaget (e outros).
Dizendo de outro modo: sem muita prática, ninguém sabe o que está fazendo nem entende as coisas; esta declaração vale para qualquer idade e de modo especial para os primeiros anos de vida.
Como bichinho saudável, a criança se interessa por tudo, quer mexer em todas as coisas, ir a todos os lugares, experimentar o quanto lhe é possível com as mãos. os olhos, a boca, o corpo todo. Ela precisa “encher” o cérebro de experiências, sem as quais nada pode fazer.
Na vida muito ocupada das pessoas, não há muito tempo para acompanhar a criança ou proporcionar-lhe esta variedade de estímulos e então substituímos o muito experimentar pelo muito falar, e terminamos falando demais sem saber bem do que estamos falando, ou a que estamos nos referindo quando falamos!
Pior ainda: sabemos bem demais quantas vezes dizemos para elas
NíƒO.
Cada “não” significa um movimento tolhido,
um gesto preso, uma experiência frustrada,
um aprendizado impedido,
uma independência proibida.
Sim, uma independência proibida. O melhor – ou o único – fundamento da confiança em si mesmo e da independência verdadeira só pode nascer da experiência bem vivida, bem sofrida e bem assimilada. Substituímos esta experiência concreta e real por mil conselhos (preconceitos) sobre o que e direito e o que não é, o que é certo, de quem e a culpa, quem deve ou não deve, mais todas as frases feitas relativas a tudo o que os pais devem ensinar a seus filhos. Tudo por demais desligado da experiência infantil e, pois, de sua compreensão verdadeira. Fabricação de papagaios a falar sem saber o que estão dizendo, ou gravações em cassete, para eternizar a insensatez coletiva.
A criança não entende nada destes conselhos, mas eles permanecerão para sempre em sua mente, atrapalhando todas as suas decisões e escolhas, perturbando a consciência e complicando os sentimentos.
As coisas se encadeiam com uma lógica de ferro.
É preciso tornar a criança muito mais dependente dos pais do que a natureza determinou; assim ela se fará mais dócil, obediente, temerosa e subserviente diante dos adultos, de início mãe e pai, depois “os mais velhos”, professores (em todos os níveis), patrões, sacerdotes, governadores, presidentes…
Ficam assim reforçadas todas as relações de poder.
Por isso, limitamos demais a experimentação infantil, em nome de mil motivos e preconceitos discutíveis, a fim de tornar a criança mais fácil de manipular, dirigir, orientar, “dobrar”.
Com algumas vantagens adicionais nada desprezíveis: depois de ter sido tão limitada em sua riqueza de possibilidades e movimentos, ao crescer ela mais facilmente se adaptará a trabalhos inexpressivos e monótonos, como são os empregos e profissões mais comuns.
Ela não será muito gente, nem muito humana, tampouco feliz e muito menos livre, em compensação – será compensação mesmo? – terá emprego e garantirá seu salário e sua subsistência.
Quase ninguém pensa quanto custa esta segurança. Ela está muito próxima daqueles pactos em que a pessoa “vendia a alma para o diabo…”.
Além disso, a pessoa mediocrizada pelas restrições “educativas” será na certa um cidadão sério, honesto e operoso, sempre disponível – sem protesto algum – diante de todas as manipulações, abusos e corrupções dos “de cima”.
Este tipo de educação, “acredite e se comporte como as autoridades dizem e nada faça para saber como as coisas se passam realmente”, tão presente hoje como na Idade Média, levou pessoas amantes da Humanidade a se convencerem de que todos nascemos génios e o que chamamos de educação nos torna medíocres.
Anos depois, nossas formas de trabalho (oito horas por dia de monotonia) eternizam essa mediocridade.
Nasce assim
normopata,
tido nas estatísticas como Homem Normal….
Abusamos da credulidade e da confiança inata da criança nos adultos que a cercam, para limitá-la em quase todas as direções.
Esse vício ou essa forma de… deformação pode ser visto facilmente na História da Desumanidade. Confúcio, Aristóteles c Galeno, lembrando apenas três figuras eminentes, foram “autoridades” indiscutíveis (ninguém podia duvidar deles) durante quase dois milênios. E sobre Confúcio convém lembrar: ele dizia que as mulheres não têm alma; portanto, matá-las não era crime.
A desumanidade está por demais predisposta a ser obediente e cega; a ver, aceitar ou acreditar naquilo que “as autoridades” dizem; disposta inclusive a viver, morrer e matar por essas “verdades”, invariavelmente tidas como “eternas” – mesmo quando se sabe que além da fronteira a verdade eterna é outra…
É fácil ver o quanto a História se repete em cada lar, e o quanto as “autoridades” originais são mãe e pai – modelos para atuação de todas as “autoridades” subseqí¼entes. Por isso “o povo” dá aos pais poderes ditatoriais!
Lembremos também: a maior de todas as autoridades é a chamada voz do povo, ou opinião pública, aquilo que todos dizem, muitas e muitas vezes, mesmo sem pensar: a ideologia, a soma dos preconceitos de cada grupo.
Retirado de:
GAIARSA, José í‚ngelo. Cartilha da Nova Mãe. Ed ígora, 2003. São Paulo.
Nalu, AMEI o texto, mas preciso ler com mais calma, mais umas vezes para poder pitacar direitinho!
Beijos