Extraordinário

Esses dias, por causa de algumas coisas que andaram me acontecendo eu acabei sendo forçada a me deparar com a palavra “extraordinário”. A cabeçada de frente com essa palavra me obrigou a olhar para ela, e o pior, a ter sentimentos excusos e a refletir sobre esse conjunto de letras altamente significativo. E o que primeiro percebi foi o quanto a tv, o espí­rito de Hollywood, e alguns personagens que cruzaram minha história me fizeram um tremendo mal. Ou como eu me fiz mal através deles. Pelo menos por um lado.

Porque me fizeram esperar que a vida fosse cheia de momentos extraordinários e impactantes, ou pior, me fizeram acreditar que somente isso era A Vida.

E acreditei que só se está vivendo, ou que só existe diversão, ou que você só é digno de qualquer meleca se estiver escalando o Himalaia, se estiver viajando pelos quatro quantos do mundo, ou em algum lugar exótico e cheio de gente bonita, jovem e cheia de testosterona acumulada, comendo 15 mulheres por mês, publicando 3 livros no Irã, fazendo filmes nos EUA ou estrelando a novela das oito.

E obviamente na minha vida não está acontecendo nada disso. Eu faço parte da regra, não da exceção. Tem anos que eu não faço uma viagem interessante, que não saio dessa fazenda iluminada que é BH, eu sou uma dona de casa e trabalhadora com jornada tripla, contracheque, lixo pra levar pra fora, marido, filho e gavetas para arrumar.

Então por um instante eu quase me senti encolhida ao trombar com essa palavra, quase me senti pequena e inadaptada para a vida. Quase senti vergonha de não estar descendo de canoa as cataratas do Niágara. Quase quis estar numa aldeia nalu aprendendo algum ritual exótico ou colocando aquelas talas no beiço. Quase reneguei tudo que conquistei quando saí­ de perto da palavra extraordinário.

Mas foi só um ligeiro tropeço, foi só um pequeno lapso. Foi um vento que passou. Um vento de quase mau agouro.

Porque eu gostaria mesmo é que tivessem me dito há muito mais tempo que a vida tem um ou dois desses momentos no máximo, para as pessoas que são a regra, como eu. Eu sei que esta história toda é um puta dum clichê, mas eu me comportei assim durante muitos anos, achando que eu só seria gente quando topasse assaltar um banco, quando tivesse coragem de virar puta, quando sei lá, inventasse o 14 bis. E fiquei muitos anos com um sentimento de sub vida, de que o cotidiano era uma bosta, de que as pessoas que me amavam e me cercavam eram medí­ocres, de que eu era uma covarde desprezí­vel que não tinha nem coragem de colocar uma mochila nas costas e ir mendigar em Tokelau.

E esses dias eu quase me senti assim de novo, quase tive vergonha de dizer que não estava no México estudando xamanismo com os discí­pulos do Castaneda em pleno deserto, dormindo em uma caverna para lembrar o passado e desfazê-lo. Quase me detestei por não estar voando em uma vassoura acima de Salem.

E por instante eu quase esqueci que há algo de tremendamente extraordinário também em se parir e se criar um filho tão cheio de sorrisos, mesmo que seja a mais repetida das coisas, que há algo de extraordinário em se manter um amor sem brigas, com ternura, tesão, diversão e respeito pelo escoar dos dias, que é extraordinário ter amigos como os que eu tenho, que posso viajar e viajar nas galáxias do pensamento com eles, e discordar deles até a alma e mesmo assim amá-los tanto. E que extraordinário de verdade é partilhar e sentir tanto, tanto amor, sentir-se una com tudo mesmo que por um segundo fugaz, perceber que o acaso não tem realmente esse nome. E entender no sangue que tudo vai virar pó incluindo aí­ o extraordinário e o todos os meus sentimentos a respeito.

Aí­ eu pude então respirar aliviada, pude tirar um certo peso que ameaçava se infiltrar no peito e achar que um sorriso ganho naquela hora, naquele lugar, daquele jeito tem tanto valor e tanta emoção quanto largar tudo e ir estudar lamaí­smo com os monges do Butão. E que esse sentimento, mesmo tendo saí­do diretamente das páginas de um livro de auto-ajuda, é bom, é muito bom, é bem melhor do que acreditar estar presa em uma sub vida. Eu escolhi muitos dos meus grilhões. E pelo menos eu sei disso e sei que se eu escolhi algum dia posso desescolher. E isso me empurra muito mais pra frente do que qualquer extraordinário sem noção que eu conheça.

Aloha.

2 comentários em “Extraordinário”

  1. Nalu, gostei e vou linkar!
    O óbvio da nossa insensatez de humanos: a vida da gente não passa na televisão!
    Ri quando você falou em virar puta, povoa mesmo o imaginário feminino… Aprender o xamanismo, subir o Everest, atravessar a calçada da fama… é clichê e é ridículo, mas o gosto de acordar com quem se ama é exatamente assim… Buá… Há um tempo (5 meses) estou sem love.
    Mas a vida também precisa de aventura, eu sou do mundo! Trate de programar logo uma viagem para os próximos tempos… Passe no http://alenacairo.fotoblog.uol.com.br/
    Beijos
    Alena

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