Esse é um post de participação da blogagem coletiva da Semana da Amamentação. Toda vez que penso neste assunto, sinto dor. Até hoje, passados quase quatro anos ainda é um assunto doloroso pra mim não ter podido amamentar como eu queria. E acho que eu errei num lado muito básico, pois depois ouvi muitas mães falarem que passaram pelo mesmo problema.
A gente se prepara para o nascimento, para o parto e tudo mas não se prepara para amamentar. Na minha cabeça amamentar era algo tão simples, bastava querer amamentar e pronto! Eu me esqueci que não fui amamentada nem meus irmãos. que minha irmã também não amamentou suas filhas e nem pensei em questionar porque.
E na minha vez, pimba!, claro que foi problemático. Eu me lembro de na época ter escrito um texto sobre os motivos que me impediram e mandei até para uma lista de discussão. Ano passado falei sobre essa dificuldade, nesse post e sobre como é importante pedir ajuda. Esse ano, resolvi transcrever um texto muito bom que li sobre a ambivalência que pode estar contida na amamentação, sobre o quanto isso é normal e como as mães passam por isso todos os dias nesse processo. Espero que ajude.
O livro do qual tirei esse texto é todo muito bom, vale a pena ler, é um livro com uma linguagem simples, direta, e desmistifica muita coisa na amamentação. Recomendo muito pra quem se interesse. E obviamente, o blog da Denise, o ótimo Sindrome de Estocolmo é uma referência no assunto. Lá você vai encontrar muita informação, muitos links, referências, e uma visão muito interessante sobre a amamentação. A autora do blog é uma especialista em amamentação, além de uma pessoa muito interessante e uma expert nesse assunto. Vale a visita.
Abaixo segue o texto.
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Ambivalência
Adolfo Paulo Bicalho Lana
O fenômeno básico da amamentação é a ambivalência, isto é, conflitos, sentimentos opostos em relação í amamentação, o querer e o não querer amamentar. Os conflitos surgem em situações em que duas ou mais necessidades incompatíveis concorrem e fazem com que a mãe se sinta puxada simultaneamente para dire-ções diferentes. Ela reconhece as vantagens da amamentação, e por isto quer amamentar. Mas isto exige dela obrigações, compromissos e mudanças profundas no seu modo de viver, e por isto reluta. A ambivalência aparece, pois há grandes perspectivas de mudanças, o que certamente vai envolver perdas e ganhos.
A amamentação tem momentos agradáveis e desagradáveis. O contato estreito com o bebé pode ser muito bom para o bebé e também para a mãe. Mas para a mãe a amamentação não é só prazer. Envolve cansaço, tolhe a liberdade e dificulta o lazer e a profissão. Por isto, ela oscila entre o sim e o não.
O sentimento é ambivalente não só quanto í amamentação mas também em relação ao bebé de um modo geral. Afeto e hostilidade alternam-se frequentemente, aumentando o sofrimento da mãe, que só aceita ter sentimentos positivos em relação ao bebé. Em relação í s visitas, também é ambivalente, pois gosta das homenagens recebidas, mas ao mesmo tempo quer estar longe do tumulto causado por elas.
Há conflito ainda por querer se ocupar unicamente da criança, que necessita de cuidados e atenção a todo o momento, e por desejar também cuidar um pouco de si mesma, do seu marido, dos outros filhos, da sua profissão.
A mãe aceita relativamente bem as modificações de seu corpo na gravidez, mas após o parto tem uma pressa enorme de se livrar daquela cintura volumosa, do quadril largo, do abdome protruso, da barriga flácida. As mudanças da imagem corporal durante a gravidez podem evocar sentimentos negativos, os quais são muito intensificados no pós-parto, passando a mãe a querer livrar-se imediatamente deste corpo e retornar ao anterior í gravidez. Apesar de saber que se estiver amamentando a criança “devorará” seu excesso de peso e que mesmo sem diminuir a quantidade habitual de alimentos emagrecerá, ela entra em conflito, pois está acostumada a associar a ideia de emagrecer a comer pouco e sabe que durante a amamentação não deverá fazer dieta.
A mama é vista mais como um órgão sexual do que como um órgão destinado í amamentação. A mãe tem dificuldade de associar estas duas funções, instalando-se a ambivalência. Há conflito também em relação ao tamanho da mama: permanecerá grande se amamentar; se não amamentar, retornará ao tamanho anterior.
A mãe, que no final da gravidez limitava suas saídas, agora quer se sentir solta, livre. E a amamentação é um compromisso que a prende. Sabe da importância da amamentação, mas precisa respirar outros ares, sair, passear. Pode até saber que a situação é temporária, que lá pelo segundo mês de vida as mamadas costumam ter um intervalo de até três horas ou mais, que pode ordenhar seu leite antecipadamente, que este leite pode ser dado ao bebé na sua ausência e que poderá ficar fora durante muitas horas, mas é tomada de uma urgência em solucionar este impedimento. O conflito é permanente. A mãe oscila também entre uma alegria imensa por ter tido um filho que quer acima de tudo e um sentimento de medo de ser superexigida por ele ou um sentimento de raiva por estar sendo superexigida. Oscila entre sentimentos de intensa saudade do bebe quando se ausenta dele por algum tempo e de impaciência e irritação por causa das demandas constantes dele.
A ambivalência, í s vezes, mostra-se pela falta de preparação da mãe para com os cuidados que a criança necessita, inclusive no que diz respeito í amamentação, como expressão de uma rejeição inconsciente.
Se o leite acaba ou há qualquer impedimento para a amamentação, a mãe pode reagir com um misto de frustração e alívio, o que é típico da ambivalência.
Esses sentimentos conflitantes geram ansiedade e culpa, e isto pode dificultar o bom andamento da amamentação. Se a mãe sentir-se bem consigo mesma, haverá harmonia e tranquilidade na relação mãe-filho. Daí ser imprescindível informar í mãe que ela poderá ser tomada por estes sentimentos e que é natural que eles existam, e que são compartilhados, em maior ou menor grau, por todas as mães.
É totalmente compreensível que a mãe sinta um nó na garganta, uma saudade da vida de antes em que não havia um bebé chorando durante a noite ou querendo mamar a todo instante, precisando de tantos cuidados que ela não sabe se é capaz de patrocinar.
Extraído de: “O Livro de Estímulo í Amamentação” de Adolfo Paulo Bicalho Lana, Editora Atheneu