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Desamparo
O que acontece com o vício de comer eu acho que é parecido com o que acontece com o vício de fumar. Além da oralidade, os dois acabam mexendo numa estrutura que é muito vital para nós, que é a sensação, consciente ou não, do desamparo em que nós seres humanos vivemos. Tentamos compensar essa sensação dolorosa de abandono e desamparo (que eu acredito ter origem no nascimento) naquilo que mais rapidamente alivia a sensação torturante de ter abandonado o prazer da vida uterina. Acho que por isso muitos vícios são orais, já que aprendemos cedo na vida a aliviar essa dor do abandono do ventre materno com algo que se coloca na boca, o seio materno, a mamadeira,a chupeta, o dedo, etc.
Mas pouca coisa nos salva do pânico (do ponto de vista do bebê que está para nascer) que provavelmente é o parto, o nascer, o rompimento da ligação mais simbiótica e satisfatória que jamais teremos na vida.
E fumar tanto quanto comer parecem aliviar essa sensação dolorosa. Mas eu acho que isso é engano, a gente fuma, bebe, come, e o desamparo, o abandono continua ali, não vai embora. Daí a gente vicia e começa a comer, fumar ou beber para matar outra dor, e mais uma falta, a falta que faz pra gente aquele objeto do vício.
Mas o x da questão, (que não é muita novidade, mas que eu preciso dizer em voz alta para acreditar), que custa a entrar de fato nas nossas lindas cabecinhas, é que nada, nada que esteja ou que venha do exterior vai aliviar essa sensação de dor, de abandono e desamparo que são característicos da condição humana, (e que o tempo todo fingimos não perceber nos entupindo de dependências). E não fumar nem me afundar tanto na comida, não aliviaram esse abandono nem um pouco.
Mas a constatação de que o nirvana só pode ser encontrado dentro de mim e em mais lugar nenhum desse mundão enorme de Deus ajuda. Acho que assim me sinto menos desamparada, já que não vou me privar da minha própria companhia. Saber que é nela que está a salvação é um fardo que ás vezes pesa, mas também é um alívio quase lancinante, pois me diz que eu já não dependerei de nada nem de ninguém.
Apesar do que falar é bem mais fácil…