21 de março

Hoje, aqui no hemisfério sul é solstício de inverno.
Isso é suficiente para me deixar contente; é a promessa de dias mais suaves.
Pensar no solstício me lembra de pensar nas estrelas, na imensidão do universo; e que quanto mais o mundo se mostra imenso, menores ficamos nós.
Pensar na vastidão do universo às vezes me leva a Carl Sagan. Eu me lembro do “pálido ponto azul”. O livro, do qual só li trechos mas quero ler inteiro, e o vídeo, que é maravilhoso, e todo mundo já deve conhecer, mas não custa rever. Hoje é um ótimo dia para isso. Os nossos dias pedem por coisas assim. Os meus, pelo menos. Vivemos uma catástrofe climática, e este pálido ponto azul é a única casa que temos, parece que nunca é demais lembrar, porque afinal não lembramos o suficiente.
Mas além disso, esse vídeo serve também para dar uma pausa no fim do mundo e fazer recordar que ainda estamos aqui, vivos. Que somos num ponto infinitamente pequeno, mas dentro do qual existe tanta coisa. Se não fosse por nenhum motivo mais, a própria beleza dessa vastidão já seria suficiente.
Estas coisas eu digo a mim mesma, tentando lembrar que há motivos para continuar respirando, num mundo em que tudo parece ruir. Não estamos quase todos querendo lembrar que faz sentido?

Feliz Ano Novo!

O vídeo tem 3 minutos e meio, é lindo.

Inspirado neste vídeo tem o poema incrível da Maya Angelou, e ele é o poema do dia, para o ano nascer feliz.

~~

Uma verdade corajosa e surpreendente

Maya Angelou

Nós, esse povo, num planeta pequeno e solitário
Viajando casualmente pelo espaço
Passando por estrelas desinteressadas, pelo caminho de sóis indiferentes
Para um destino onde todos os sinais nos dizem que
É possível e imperativo aprender
Uma verdade corajosa e surpreendente.
E quando chegarmos a isso
Ao dia de pacificação
Quando soltarmos nossos dedos
Dos punhos da hostilidade
Quando chegarmos a isso
Quando a cortina cair sobre o espetáculo de menestréis do ódio
E os rostos sujos de escárnio forem esfregados
Quando os campos de batalha e o coliseu
Já não rastelarem nossos filhos e filhas únicos e particulares
Junto com a grama pisada e ensanguentada
Para deitá-los em covas idênticas em solo estrangeiro
Quando o ataque ganancioso das igrejas
E a extorsão barulhenta dos templos tiverem cessado
Quando as flâmulas balançarem alegremente
Quando as bandeiras do mundo tremerem
Por uma boa, leve brisa
Quando chegarmos a isso
Quando os rifles caírem de nossos ombros
E nossos filhos puderem vestir suas bonecas com bandeiras de trégua
Quando as minas terrestres da morte forem removidas
E os idosos puderem caminhar em noites de paz
Quando os rituais religiosos não forem perfumados
Por incensos de carne queimando
E os sonhos de infância não forem bruscamente acordados
Por pesadelos de abuso sexual
Quando chegarmos a isso
Então, admitiremos que não são as Pirâmides
Com suas pedras colocadas em perfeição misteriosa
Nem os Jardins da Babilônia Pendurados em beleza eterna
Na nossa memória coletiva
Nem o Grande Cânion
Aceso em cores deliciosas
Pelos entardeceres do Oeste
Nem o Danúbio, derramando sua alma azul na Europa
Nem o pico sagrado do Monte Fuji
Se esticando ao Sol Nascente
Nem o Pai Amazonas nem a Mãe Mississippi que, sem distinção,
Alimentam todas as criaturas das profundezas e das margens
Essas não são as únicas maravilhas do mundo
Quando chegarmos a isso
Nós, esse povo, nesse minúsculo globo
Que diariamente recorre a bombas, a lâminas e a adagas
E que ainda assim pede sinais de paz no escuro
Nós, esse povo, nesse cisco de matéria
Em cujas bocas habitam palavras corrosivas
Que desafiam nossa própria existência
Mas dessas mesmas bocas
Podem vir também sons de doçura tão requintadas
Que fazem o coração vacilar no seu trabalho
E o corpo se acalmar em reverência
Nós, este povo, neste planeta pequeno e à deriva
Cujas mãos podem atacar com tanto desembaraço
Que, num piscar de olhos, a vida é extraída de um ser vivo
Entretanto essas mesmas mãos ainda podem tocar com ternura tão terapêutica e irresistível,
Que o pescoço soberbo fica feliz em se curvar
E as costas orgulhosas têm prazer em se dobrar
Em meio a tanto caos, em meio a tanta contradição
Nós aprendemos que não somos nem anjos nem demônios
Quando chegarmos a isso
Nós, este povo, neste corpo caprichoso e flutuante
Criado nesta terra, desta terra
Temos o poder de criar para essa terra
Um ambiente em que cada homem e cada mulher
Possa viver livremente sem beatices
Sem medos paralisantes
Quando chegarmos a isso
Devemos confessar que somos o possível
Que somos o milagre, a verdadeira maravilha deste mundo
Quando, e só quando,
Chegarmos a isso.
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Tradução de Lubi Prates
Poema inspirado por “Pálido Ponto Azul”, de Carl Sagan. In: Poesia Completa, Astral Cultural, 2020.
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♫ Terra, do Caetano Veloso também combina com o espírito de hoje.

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